A criança e o caminho do coração

A criança e o caminho do coração

 

 

“Quando nos lembramos dos anos do passado remoto, as pessoas com as quais não estamos mais em contato e sobre as quais é mais fácil ser objetivo, veremos como a substância da alma de nossa vida foi criada pelas pessoas e circunstâncias do passado. Nosso olhar se estende sobre uma multidão de pessoas que conhecemos ao longo do tempo.” Rudolf Steiner GA 186

O ser humano é um ser social. Ao nascer o bebê se insere em um momento histórico, em uma cultura específica, em uma determinada família com a sua história particular de gerações anteriores, com condições específicas que oferecem oportunidades e desafios para o desenvolvimento das qualidades individuais desse ser que está chegando. Os bebês sempre trazem o novo, o futuro.

“Cada criança que nasce é um recomeço de vida” Guimarães Rosa

A vida começa no encontro humano, o encontro que acontece no tempo no tempo de Kairós (Deus Grego do tempo oportuno, das relações, no tempo em que eu me abro para o outro ouço e sou ouvido, vejo e sou visto) gera interesse, entusiasmo, calor e vida nova. Podem ser novos projetos, negócios, iniciativas, empresas, criatividade e/ou filhos. E os filhos nos mobilizam nos colocam em ação, ampliam as nossas possibilidades, nos desafiam, nos ajudam a ir além das forças antissociais que são mais naturais e necessárias para o nosso desenvolvimento humano. As forças antissociais são as forças que impulsionam o nosso desenvolvimento individual, o cuidar de si mesmo.

Quando um filho está para chegar, somos invadidos por lembranças da nossa própria infância, revisitamos o nosso percurso pessoal, nossa biografia e refazemos nossos sonhos e planos para o futuro.

No útero, quando tanto a mãe quanto o bebê são saudáveis, o bebê recebe do organismo da mãe tudo o que precisa para se desenvolver (calor, alimento e proteção). Quando nasce, ele perde esse ambiente conhecido, perde o invólucro e todas as referências conhecidas (líquido amniótico, cordão umbilical, as paredes do útero, os sons – batimento cardíaco e respiratório da mãe que compõe o ambiente rítmico em que ele está)

A vida se transforma com a chegada de um filho. Quem tem filhos sabe o quanto é emocionante pegar o próprio filho no colo pela primeira vez. O tempo parece parar quando olhamos no rosto do nosso filho recém-nascido. Passamos a nos perguntar: O que, de fato, é importante? Afinal de contas: qual o significado da vida? Que mundo eu quero para o meu filho?

Somos invadidos por impulsos sociais, estamos diante de um ser dependente física e emocionalmente, que precisa de cuidados. E são os cuidados cotidianos justamente a oportunidade para a formação dos vínculos de afeto que vão oferecer a segurança necessária para o bom desenvolvimento do bebê.

Uma das características fundamentais que diferencia o homem dos animais é o grau de maturidade em que nascem os filhotes. O bebê, para nascer com um grau de maturidade equivalente ao da maioria dos mamíferos superiores, teria que ser gerado por 20 ou 22 meses. Logo, o primeiro ano de vida é como se fosse um período de vida uterino, mas vivido fora do útero.

Ao nascer o bebê ainda se sente um com a mãe e vai lentamente descobrindo o seu próprio corpo, gradativamente descobrindo que é um ser diferente desta mãe. O bebê vai pouco a pouco acordando para esse mundo em que ele chegou. Ao ser tocado durante os cuidados cotidianos e ao passar pelas etapas do desenvolvimento motor, tomando posse do seu corpo, o bebê vai se percebendo como protagonista dos seus primeiros movimentos e passos no mundo, explorando e conhecendo o espaço físico e a si mesmo.

Quando o bebê ou a criança pequena está satisfeita com a atenção, presença e os cuidados cotidianos que recebe, ela se oferece ao meio ambiente. Ela entra cada vez mais profundamente no seu próprio corpo quando nós nos comunicamos com a criança através das nossas mãos, nossos olhos, nossa voz mostrando que o mundo é bom e que a sua existência é segura.

E nós adultos, pais e mães, nos damos conta do quanto é verdadeiro o ditado africano que diz: “para educar uma única criança é preciso uma aldeia inteira”. Quando temos uma rede de apoio é possível equilibrar as forças sociais e antissociais.

A criança passa a compreender a fala dos que estão ao seu redor e a falar suas primeiras palavras. E em algum momento entre o segundo e o terceiro ano de vida passa a usar o pronome eu, se percebendo como um indivíduo, conquistando as três capacidades que caracterizam o ser humano: andar, falar e pensar.

O ser humano é um ser social, ele só se constitui enquanto sujeito na interação com os outros seres humanos. O ser humano aprende a andar, a falar e a pensar por que está inserido em um meio social. Ao cuidar e educar nossos filhos temos a oportunidade de nutrir fisicamente, animicamente e espiritualmente um outro ser humano cultivando qualidades humanas. Desenvolvendo forças sociais que podem curar a humanidade como um todo quando educamos para a cooperação, o respeito, a colaboração, gratidão, o perdão e o amor.

 

 

Não digas: este que me deu corpo é meu Pai.

Esta que me deu corpo é minha Mãe.

Muito mais teu Pai e tua Mãe são os que te fizeram

Em espírito.

E esses foram sem número.

Sem nome.

De todos os tempos.

Deixaram o rastro pelos caminhos de hoje.

Todos os que já viveram.

E andam fazendo-te dia a dia

Os de hoje, os de amanhã.

E os homens, e as coisas todas silenciosas.

A tua extensão prolonga-se em todos os sentidos.

O teu mundo não tem pólos.

E tu és o próprio mundo.

Cecília Meireles,

In Cânticos, 1982

 

 

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